Literatura regionalista sergipana: Conhecê-la faz toda a diferença.

Por Illton Bispo

Para situar melhor o leitor sobre a literatura regionalista, vamos esclarecer um conceito muito importante sobre Conto:

O conto é a forma de narrativa, em prosa, breve e fictícia em que a ação geralmente se concentra sobre um único tema ou episódio de menor extensão (no sentido estrito de tamanho), ainda que contenha os mesmos componentes do romance. Esta brevidade, porém, não pode comprometer a qualidade do texto, que deve cumprir o seu papel junto ao leitor com a mesma competência dos contos mais longos. O conto precisa causar um efeito singular no leitor; muita excitação e emotividade. Constituindo assim, uma única unidade dramática, um só conflito, um só drama, uma só ação bem diferente das novelas.

Assunto esclarecido, seguindo em frente:

O romance regionalista teve seu início no Brasil, em meados do século XIX, com as obras de José Alencar,Bernardo Guimarães, Alfredo d’Escragnole Taunay e Franklin Távora. No nordeste, ele surge com a publicação do livro ‘A bagaceira’, de José Américo, em 1928. Sua publicação é considerada, por muitos, como o verdadeiro marco da literatura brasileira. A literatura de cunho regionalista nordestina é forte e bastante viva. Pois traz em si as particularidades de uma região: modo de falar, gestos, emoções e outros sentimentos que são próprios da cultura e estão inseridos no meio o qual vivemos. A prova disso é o livro “Água de Cabaça”, do autor sergipano Vladimir Souza Carvalho, publicado em 2003 pela Editora Juruá. Este é um exemplo da mais pura e tradicional literatura regionalista sergipana. Falando nisso, é importante ressaltar que esta obra não é um romance como muitas pessoas pensam, mas sim um livro de contos, cada um mais interessante que o outro.

Contos esses de temáticas variadas que atraem o leitor, ora pela objetividade que o autor conta suas estórias ora pelo espaço onde ocorre a maioria de suas narrativas. Já que a maioria dessas estórias tem como plano de fundo o município de Itabaiana. Vladimir se encaixa perfeitamente à tão consagrada literatura regionalista nordestina, não só pela ruralidade, mas também pela sua linguagem. João Cabral de Melo Neto, Graciliano Ramos e o renomado Ariano Suassuna também escrevem suas obras em formas de contos, as quais ilustram o jeito de ser e de viver do sertanejo nordestino.

O livro “Água de cabaça” possui uma linguagem que visivelmente é mais escrita do que falada. E quando aparece a linguagem falada, é a dos próprios personagens. Observa-se também uma multiplicidade de temas nos contos. Personagens diferenciadas, pluralidade de vozes tanto para narradores, que se apresenta de várias formas, quanto para personagens. Os narradores observadores sempre retratando uma linguagem que se aproxima do mundo interiorano dos personagens. Na maioria das vezes aparecem frases curtas e tendenciosas que mais se aproximam de uma linguagem oral primária do que para uma linguagem escrita, mais trabalhada.

Os 31, contos que integram este livro, tais como “O Retorno”, “Piedade”,“Pés atados”, “A Boneca”, “Primeiro diálogo”, “Quadro da falecida”, “A Praça”, “As Cartas”, “Arrependimento”, “O Parto”, “Lugar na missa” e “O ato” possuem dimensões sociais, intercalados de abordagem psicológicas das personagens. E a maioria deles foi escrito como narrador na terceira pessoa. Nos contos de Vladimir há uma análise social muito forte. Questões éticas e, sobretudo, questões sobre sexualidade também são focos da abordagem do autor. A exemplo do conto AREIA NO PRATO. Veja um breve resumo do conto.

AREIA NO PRATO

É um conto de alto teor erótico que conta a bem humorada história de um drama familiar através de um narrador, que é o personagem protagonista, conhecido como Seu Antero. Ele conquista todas as mulheres que aparecem na frente. Sabe-se apenas que ele é casado e que sua esposa teve recentemente um filho. A agricultura então ficou parada, como Antero não tinha jeito para cuidar da mulher e do bebê recém-nascido. Daí a sogra do protagonista resolve enviar sua outra filha, cunhada de Antero, para cuidar da irmã no período de resguardo. Antero não conseguiu respeitar o resguardo da sua esposa e acabou “se enrabichando” pela cunhada, que acabou ficando grávida pouco tempo depois. Esse episódio causou maior reviravolta na família. Assim que a cunhada “deu a luz”, foi enviada outra mulher para cuidar do resguardo, a sogra, que Antero conquistou e logo estava grávida também. O sogro, a cunhada e sua ex-mulher passam a odiá-lo ainda mais. Para sua infelicidade, nenhuma mulher da família foi liberada para tomar conta do resguardo da sogra, sua “atual mulher”. Por fim Antero teve que se contentar em cuidar sozinho da “sogra-mulher”.

Veja aqui alguns trechos selecionados:

“(…) Porque já não agüentava a sede tendo tanta água por perto. Segurei-a, então ela procurando se livrar do meu abraço, a gente cara a cara, a moça ficando vermelho, o coração agitado no peito, que é isso, seu Antero, tenha calma, laço esta novilha nem que seja no meio do mato, que assanhamento, seu Antero, minhas mãos percorrendo seu corpo, os dedos trafegando por sobre o vestido molhado, até alcançar as pernas, numa subida serra adiante, que lá no alto, bem escondida e protegida, mora a fruta mais gostosa do mundo, aproveite, seu Antero, que besta é PE de caju que nasce com a bunda pra cima.” 

“(…) Nunca me preocupei em evitar os acontecimentos, dê no que dê que filho é coisa que se cria e, quanto mais no mundo se bota, mais a terra fica povoada, e, modéstia de lado, nunca neguei fogo até este exato momento”

Ao ler Água de cabaça, o leitor vai adentrar na cultura interiorana de Sergipe e vai se encantar com sua cultura, seus costumes e sua linguagem. Afinal de contas é muito bom ser sergipano, nu é? Para quem gosta de uma boa literatura, fica aqui a dica.

Curiosidade: você sabe o que é a cabaça?

A Cabaça ou Porongo (Lagenariavulgaris) é uma planta trepadeira, da família das Cucurbitaceae presente no norte e nordeste do Brasil, e plantada em quase todo o território português. É também chamada em algumas regiões brasileiras de cuitê ou cuité, cabaça-amargosa, cabeça-deromeiro, cabaça-purunga, cabaço-amargoso, cocombro, Cuia e taquera. Destaque-se que em algumas zonas de Portugal (especialmente no Minho) utiliza-se a palavra cabaça para designar a abóbora. O fruto da cabaça é colhido mais cedo ou mais tarde segundo o tamanho da vasilha que se queira fazer. Depois de retirado o miolo, lava-se bem e deixa-se secar. A vasilha era usada para as mais variadas finalidades e estava presente na vida cotidiana dos indígenas e seu uso foi assimilado pelos colonizadores portugueses e espanhóis. Era usada como recipiente para água e alimentos, também como vaso, entre outros usos, como para fazer um berimbau, por exemplo. No nordeste brasileiro, a cuia também é medida de capacidade para secos, que corresponde a 1/32 de um Alqueire. As regiões brasileiras que tiveram influência dos índios tupis conhecem a cabaça como cuieira e o fruto como (Kuya). Até hoje a cuia é usada no sul do Brasil pelos gaúchos no hábito de tomar chimarrão, função para a qual a cuia é cuidadosamente escolhida por sua forma (a aparentar o seio de uma mulher), e depois é ricamente lavrada e ornada em ouro, prata e outros metais. Na imagística católica, o apóstolo São Tiago é apresentado com uma cabaça (seca, supostamente para transportar água) presa a um bordão: referência à vida de peregrino. (Fonte: Wikipédia)

                                                                                            Sobre o autor- Nascido no município de Itabaiana, região central do estado de Sergipe, Vladimir Souza Carvalho é juiz federal e possui uma longa carreira jurídica. O juiz é também o escritor ocupante da cadeira de número 25 da Academia Sergipana de Letras. Escreveu vários livros de contos como “Quando as cabras dão leite” (1971), “Mulungu Desfolhado (1994), “Feijão de Cego” e “Água de Cabaça” (2003). Vladimir ainda ocupa os “cargos” de historiador e poeta. Uma das suas poesias que traduz bem a beleza de suas obras é sem dúvida “Sinal Verde, trânsito vermelho” publicada em 1972. No folclore: “O Caxangá na história de Itabaiana” (1976), “Apelidos em Itabaiana”, “Adivinhas Sergipanas” (1999) e no Direito: “Da Justiça Federal e sua Competência” (1980), “Manual de Judicatura Aplicada” e “Competência da Justiça Federal” (sete edições publicadas). E em preparo, “Manual de Competência da Justiça Federal”. Vladimir de Souza colabora ainda com a publicação de artigos no jornal Correio de Sergipe.

 

Créditos fotográficas : Foto1;cabras-da-peste.blogspot.com/foto2:Editora Juruá/foto3: cronicasdobeco.blogspot.com/foto4:ifonet

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