De Frente com Valldy (Segunda parte da entrevista com Adriana Lohanna)

Adriana no Terminal Rodoviário se preparando para mais uma viagem da sua militância no GLBT

Na segunda e última parte da entrevista, Adriana Lohanna fala do preconceito no Estado e das agressões e constrangimentos que sofreu ao logo dos anos. Fala da sua militância no GLBT, da expectativa da cirurgia de readequação genital. E de ser a primeira transexual sergipana a estar na fila do SUS para realização da cirurgia de mudança de sexo. 

 Você acredita que Sergipe é um estado preconceituoso? E homofóbico?E o Brasil?

(fala sem titubear) Hoje eu digo que é o estado mais preconceituoso. Você percebe que em outros estados, as pessoas LGBT podem conviver em espaços socialmente. Em Sergipe, esse preconceito é muito velado, ele não se mostra, ele está na obscuridade. Se você perceber, Sergipe também é um estado campeão da homofobia. Em Sergipe o homossexual não pode andar de mãos dadas com seu par. No Rio de Janeiro isso é muito comum.

A cultura nordestina é machista, onde o homossexual é visto como uma pessoa pervertida. Ninguém o vê como uma pessoa que tem sonhos ou caráter, é visto como um depósito de esperma. A prova de que nosso estado é preconceituoso é que a classe LGBT está trancada em boates e barzinhos, tipo a Clone Mix e a Alquimia, porque precisamos viverem muros. Ali, o homossexual pode beijar e ser feliz, mas distante de lá, não, porque a sociedade não permite, aponta, julga, condena.

Também o nosso país é campeão em assassinatos de homossexuais, como confirma o antropólogo Luiz Mott, do Grupo Gay da Bahia. Esses crimes de crueldade são praticados pelo simples fato de suas vítimas serem homossexuais. E esses crimes horrendos são mais comuns entre travestis e transexuais, que são mais vistos na sociedade.

 Por que há tanto preconceito e homofobia em nossa sociedade? Faltam políticas públicas para coibir ações de preconceituosos e homofóbicos de plantão?

Faltam sim. O nosso país discute muito a diversidade de gênero porque está na mídia, porque é bonito. Nós temos um programa do governo federal, o “Brasil sem homofobia”, criado em 2007, mas que não funciona, que nunca saiu do papel. No Brasil, ser diferente é incomodar. As políticas públicas não funcionam.

Até hoje o Brasil discute a PLC122, alei que torna crime a homofobia. A lei é um projeto de 2006, mas que está parada. O debate não é nada fácil. O conservadorismo impera no Congresso nacional. Isso é lamentável em pleno século XXI.

 “A militância GLBT está no meu sangue”.

Adriana Lohanna é presença garantida no VI Encontro do Nordeste de travestis e transexuais

 Como se deu o episódio em que você foi barrada na entrada dos Fóruns Integrados I, em Aracaju, para participar de uma audiência, em 2009?

(gesticulando) Eu havia chegado ao fórum para a audiência de troca de nome. Já havia entrado e saía do prédio para recepcionar uma testemunha que acabara de chegar. Quando retornava para o interior do fórum, o segurança me abordou, pedindo que eu me identificasse. Me identifiquei e disse que já estava há algum tempo no recinto. Ele exigiu que eu mostrasse minha identidade e quando mostrei a ele pediu que eu me retirasse do local, alegando que eu estava inadequadamente vestida para permanecer lá, já que era proibida a entrada de homens trajando roupas femininas. Diante da insistência fui obrigada a me retirar. Na mesma hora liguei para o Centro de Combate a Homofobia chorando muito. Tive uma crise existencial. O Centro encaminhou até o local uma estagiária de psicologia e tentaram ver a minha situação. Depois de algum tempo a juíza autorizou minha entrada no fórum e aí voltei para a audiência. Processei o estado por constrangimento.

 E sobre a agressão sofrida, no mês de junho de 2010, durante a realização do Casamento do matuto de Aquidabã, sua cidade natal?

(se movimenta) Eu estava chegando no casamento do matuto. Estava de vestido e passei por um rapaz que estava ao lado de uns amigos. Sem motivo aparente ele levantou meu vestido. Voltei para ele e questionei qual o motivo daquela atitude. Ele me disse que se eu reclamasse iria me dar um murro. Eu estava dançando quando de repente realmente levei o murro. Só acordei nos braços de um amigo, que me levou até a polícia e em seguida fui encaminhada para o Hospital de Urgência de Sergipe. Meu maxilar foi quebrado e precisei me submeter a uma cirurgia. Esse cara não foi preso, eu não o conhecia e até hoje esse crime está impune. Foi aberto um inquérito policial contra o sargento que estava na guarnição e não prendeu meu agressor em flagrante, alegando que o delgado não se encontrava na cidade. São em ações como essa que você vê a omissão da polícia.

 Como tem sido o processo para conseguir a cirurgia de readequação genital?

(fala com empolgação) O processo iniciou em 2009, quando solicitei a secretaria de estado de Saúde que me encaminhasse ao Rio de janeiro para iniciar o tratamento para realização da cirurgia de transexualização. No primeiro momento, o estado me negou o direito, afirmando que eu estava fora do TFD, que é Tratamento Fora de Domicílio, que dá suporte a quem precisa fazer tratamento fora do estado. Tive uma briga jurídica com a secretaria para conseguir o direito. Fui a primeira transexual a ser beneficiada. Em 5 de maio de 2010 comecei o tratamento. O tratamento acontece periodicamente. De início ia a cada dois meses, agora vou a cada três e em seguida irei a cada seis meses. O tratamento inclui consultas com psicólogo, psiquiatra e com o cirurgião, doutor Alexsandro e sua equipe.

 Ser a primeira transexual sergipana a estar na fila do SUS para realização da cirurgia de mudança de sexo, de alguma forma, é uma grande responsabilidade?

Sim. Eu como a primeira dei abertura para que outras transexuais pudessem dar início ao tratamento, para conseguir a cirurgia de mudança de sexo. Eu conheço muitas transexuais que querem fazer a cirurgia. Eu estarei no Centro de Referência dando apoio a elas, mostrando o caminho a seguirem. Meu processo demorou porque teve toda uma briga jurídica. Qualquer transexual que queira fazer a cirurgia basta ir no TFD e solicitar o tratamento.

 Nos últimos anos muito se fala no movimento GLBTT. Como você vê essa exposição na mídia?

Está melhorando. Antes, você via a comunidade LGBT na mídia, principalmente em programas de humor como o Zorra total, mostrados de forma totalmente desconexa da realidade, nos mostrando como pessoas espalhafatosas, mostrando um lado errôneo da população LGBT. A mídia hoje discute mais a homossexualidade, através das suas novelas, dos seus programas, das paradas gays, passando a verdadeira mensagem para a população. Você vê as transexuais discutindo no Fantástico a cirurgia de transexualização. Isso é um grande avanço.

 Como pesquisadora da área de gênero e diversidade sexual e militante LGBTT, o que você avalia de avanços da classe nos últimos anos?

Teve muito avanço. Hoje o movimento LGBT está mais fortalecido. Os TCCS, as monografias, as teses e a Academia em geral estão discutindo o movimento. Ele tem mais visibilidade e está crescendo mais, de uma forma que é um dos maiores do país. O movimento feminista e o LGBT são os maiores do país. O movimento também está começando a se formar nos espaços de socialização. Quando a gente poderia imaginar que veríamos um gay na rádio discutindo a homofobia, uma transexual na TV discutindo a transexualização, ou que na universidade poderia se discutir a diversidade de gêneros, como já discuti várias vezes na Unit? No cenário político também nunca se discutiu tanto a questão LGBT como no momento. 

Adriana não abre mão de uma verdadeira amizade

Pode se dizer que Adriana Lohanna é a encarnação de uma vencedora?

(pensativa) Pode. Como eu disse, a militância está no meu sangue, no meu ser. Quando eu entro em uma briga, entro para vencer. Minha vida é de vitórias, mas antes de ser a encarnação de uma vencedora, vem a luta, porque não há vitórias sem lutas. Isso está dentro de mim. A cada dia eu venço uma luta, que é essa luta grande por dias melhores, por direitos iguais, por ideologias e principalmente uma coisa que eu acho muito bonito que é amor e paz.

 Você é a senhora do seu próprio destino?

Toda pessoa deve ser construtora do seu destino, da sua história. Somos o que fazemos. Sou eu quem construo minha história. Se hoje eu deixo de dar uma palavra de conforto ou se acolho a quem me procura, estou construindo meu futuro. Acredito muito nisso.

 De todas essas lutas travadas, quais lições você aprendeu?

A maior lição que eu guardo é que você deve ter capacidade de se levantar a cada queda, porque batalhas virão sempre. Se você aprende a lidar com as dificuldades, você vence. Ficam muitas lições de cada pessoa que consigo mudar a cabeça, de cada um que diz “sua palestra me ajudou”, do mundo que eu continuo construindo desde a luta na militância.

Quais sonhos faltam realizar?

(fica alguns minutos pensativa. Baixa a cabeça) O sonho do verdadeiro amor. Amar e ser amada. Esse é o meu maior sonho. Realmente ver a nossa sociedade livre, sem preconceitos, para amar e ser amada. Onde homossexuais, travestis, transexuais possam viver de mãos dadas, sem julgamentos, não presas em guetos, trancafiadas. (a voz fica embargada… se emociona e chora). Todos nós temos direitos iguais.

 Você está escrevendo sua autobiografia. Conte para nossos leitores o que podemos esperar da obra.

O livro vai abordar a questão do preconceito, a luta contra o preconceito, o preconceito na sociedade, a minha transexualização, como me descobri transexual. O livro será concluído logo após a realização da cirurgia. Conto como é ser transexual; como é a adolescência e vida de uma transexual; como é nascer mulher e não ser percebida na sociedade. Vou fazer vários relatos. Muitas pessoas serão citadas, como meu amor eternizado Adenilson. Finalizo a obra com a nova Lohanna, após a cirurgia.

 Créditos fotográficos: arquivo pessoal

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Uma resposta para De Frente com Valldy (Segunda parte da entrevista com Adriana Lohanna)

  1. Patrícia Santos disse:

    Conheço a Adriana Lohanna como também a sua história de persistência, resistência e luta pelo direito de apenas “ser”. No entanto, não deixei de me emocionar com essa belíssima entrevista. Acredito que um dos maiores mistérios é conhecer o principal objetivo da nossa existência e que muitas vezes, ao longo de nossa vida, não nos é revelado, ou não percebemos no nosso dia-a-dia. A Adriana veio com esse dom, de saber o sentido da sua existência. Parabéns ao reporter.com por esse trabalho.

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